[Coluna 16] Como a transparência pública pode ter mais impacto nas políticas públicas brasileiras?

O Brasil é, comparativamente falando, um dos países mais transparentes do mundo no que tange a questões fiscais. De acordo com a Open Budget Partnership, o Brasil ocupa a sétima posição no seu ranking de transparência orçamentária, à frente de países como Reino Unido, França e Austrália. No Índice de Dados Abertos, da Open Knowledge Foundation, o Brasil ocupa a oitava posição entre 94 países, estando empatado em primeiro lugar com dezenas de países no ranking de transparência orçamentária e em terceiro lugar em transparência de despesas governamentais, que são itens que compõem o ranking global do Índice.

No entanto, vivemos envoltos em crises fiscais, e mais uma vez temos propostas de mudar as regras fiscais e de transparência na Constituição Federal, conforme abordei na última coluna. Em diversos rankings internacionais, por exemplo, a efetividade do governo é muito inferior à posição que ocupamos em transparência. Como explicar que a transparência tenha tão pouco impacto em produzir melhor governança e políticas públicas mais eficientes?

 

Controle de Legalidade

A legislação brasileira é bastante rígida sobre a importância da transparência orçamentária, incluindo dados sobre receitas, dívida pública, despesas, além de ser dotada de regras fiscais rígidas como a limitação de gastos com pessoal, endividamento, teto de gastos, entre outros. Essas regras ensejam também uma série de punições e restrições para o gestor público que não as cumpram, seja no que diz respeito à transparência, seja nas metas fiscais.

Diante do fracasso dessas regras e diretrizes em produzir os resultados desejados, o governo federal não só insiste na mesma estratégia, como dobra a aposta. Por meio das PECs do Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos Públicos, pretende acrescentar novas regras fiscais e demandas de transparência, e imputar mais restrições para quem não se adequar a elas.

É claro que mais transparência é sempre bem-vinda, mas nem toda transparência é igual. De um lado, temos um critério de transparência que é útil somente para o controle de legalidade, que é a predominante no Brasil. É a transparência sobre regras, procedimentos e cumprimento de critérios fiscais. Por outro lado, existe a transparência relacionada aos resultados e objetivos concretos das políticas públicas – critério essencial para o controle efetivo do poder público, mas constantemente ignorado.

Exige-se informações sobre a publicação de um edital de licitação em jornais, o texto do edital, o conteúdo das propostas, a empresa vencedora e o contrato firmado, por exemplo. Contudo, não se exige que o estado informe se a licitação resultou em uma boa política pública. De fato, é relativamente muito mais fácil saber como foi o processo de contratação de uma empresa para construir uma creche do que saber se a creche foi inaugurada, se os pais e mães estão satisfeitos com a infra-estrutura e se as crianças estão recebendo o cuidado adequado.

Similarmente, a legislação exige que estados e municípios disponibilizem informações no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE). Lá encontramos dados como o salário dos professores, o quanto foi gasto com cada tipo de despesa de educação, entre outros. Porém, não há um único dado sobre a qualidade da educação ou de aprendizado. Se um cidadão quiser saber se o dinheiro público está sendo bem gasto, ele mesmo precisa cruzar informações do SIOPE com outros indicadores, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Uma transparência simplesmente não conversa com a outra, pela razão de que não foi pensada para tanto. A transparência fiscal no Brasil não visa controle de finalidade  – ou de efetividade da política pública – mas a simples verificação do cumprimento de regras formais. É o que chamo de transparência para legalidade – ou para compliance.

 

Transparência para o Controle Social

Precisamos de uma legislação com ênfase em outro tipo de transparência e controle: análise de custo-benefício de políticas públicas. Em vez de apenas informar se um edital de licitação cumpriu regras formais, queremos saber se a empresa contratada prestou um bom serviço a preço justo. Similarmente, em vez de saber se um governante ultrapassou o limite de 60% de gasto com pessoal, quero saber se isso resultou em menos investimento em saneamento básico, ou em creches ou, ainda, em mobilidade urbana.

Essa mudança é importante porque a potência da sociedade civil no controle social está associada a controlar o que está próximo dela. É mais fácil um pai ou mãe saber se há vagas em creche próxima, ou se o processo de licitação foi ruim e a empresa que ia construir a creche faliu? Se tem legumes e verduras na escola, ou se a prefeitura deixou de cumprir o mínimo de 30% de gastos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com aquisição de produtos oriundos de agricultura familiar?

A razão, portanto, para o baixo impacto da transparência pública hoje decorre do fato de que ela pouco ajuda o controle social. Sem este, pouco importa um dado estar disponível ou não, pois ele sozinho não gera necessidade de mudança de comportamento do agente público. E a transparência que pode gerar controle social deve ser informativa para a realidade das pessoas, que vivenciam diariamente o resultado da política pública, e não a forma pela qual ela é executada.

 

Mudanças

Essa mudança de paradigma, da transparência e controle voltados para o compliance em direção a uma transparência e controle voltados para a efetividade da política pública, poderia transformar a qualidade do gasto governamental no Brasil. Para isso, porém, é preciso mudar o aparato legislativo de controle cuja ênfase é a legalidade formal. Os órgãos de controle precisam passar a ter como missão o controle finalístico, e não o mero controle de legalidade. A legislação de transparência precisa obrigar os entes públicos a vincularem orçamento e despesas a metas e resultados na hora de disponibilizar informações.

Não será uma mudança fácil, dado o longo histórico brasileiro de se concentrar na forma, mais que na substância; no meio, mais que no fim. Haverá resistências e será necessário muito investimento e treinamento para reorientar as capacidades do estado brasileiro nessa direção. Mas diante dos resultados pífios do paradigma atual, creio que já passamos da hora de seguir o caminho que a maioria dos estados desenvolvidos persegue: a boa política pública é a aquela que atinge seus fins, não a que cumpre ritos formais.


Manoel Galdino
Diretor-executivo da Transparência Brasil